Em abril de 2025, os Estados Unidos deram um passo decisivo para alterar o eixo do comércio global: a imposição de tarifas de importação em escala ampla, sob a justificativa de reequilibrar sua balança comercial e proteger a indústria doméstica.
Mais do que uma medida protecionista pontual, trata-se de uma mudança profunda na postura comercial da maior economia do mundo, cujos reflexos ultrapassam fronteiras tarifárias — com implicações jurídicas, operacionais e estratégicas para o empresariado brasileiro.
ESTRUTURA LEGAL DO NOVO TARIFÁRIO NORTE-AMERICANO
A nova política comercial americana tem como fundamento uma série de instrumentos legais que conferem poderes excepcionais ao Executivo para impor tarifas com base em emergências econômicas e segurança nacional. A nova política tarifária, carinhosamente apelidada como “Tarifaço” pela imprensa brasileira, foi estruturada com base em dispositivos como o International Emergency Economic Powers Act (IEEPA), a National Emergencies Act (NEA) e seções da Trade Act de 1974, que permitem ao presidente norte-americano tomar medidas unilaterais sob justificativa de ameaça econômica ou de segurança nacional. O uso coordenado desses instrumentos jurídicos evidencia a estratégia deliberada de atribuir legitimidade institucional a ações de cunho político-comercial.
A imposição de uma tarifa base de 10% sobre todas as importações foi apenas o início. Países considerados críticos à balança comercial americana, como China, Japão e União Europeia, sofreriam sobretaxas ainda mais severas — até 54% em alguns casos.
Em desdobramentos recentes, no entanto, o presidente Trump anunciou uma “pausa de 90 dias” para a aplicação do Tarifaço, limitando todas as tarifas recíprocas inicialmente aplicadas a 10% — exceto para as tarifas a serem aplicadas à China, que não só teve seus percentuais mantidos como, posteriromente e sucessivamente, elevadas: em 09 de abril para 125% e, em 10 de abril, para incríveis 145%. As tarifas chinesas são compostas pela a soma das seguintes taxas tarifárias cumulativas:
20% aplicados desde fevereiro (incluindo medidas contra o fentanil);
34% anunciados em 2 de abril com o pacote de tarifas recíprocas;
50% adicionais, após a retaliação da China;
Um ajuste final de 41% após Pequim elevar suas tarifas a 84%.
É a maior tarifa unilateral já aplicada pelos EUA contra uma potência econômica em tempos modernos.
O Brasil, embora tenha sido mencionado anteriormente como parceiro "protecionista" , foi, incluído no grupo de menor tarifa, com alíquota de 10% — que permanece válida sob a nova regra temporária.
Importante destacar, no entanto, que a medida contempla isenções específicas: produtos com ao menos 20% de conteúdo americano e certas categorias sensíveis (como minerais críticos e semicondutores) estão excluídas. Também há distinções em relação a bens em trânsito antes das datas de corte, o que cria complexidades operacionais relevantes para importadores.
RISCOS JURÍDICOS E COMPLIANCE: A NOVA ERA DA FISCALIZAÇÃO COMERCIAL
Em paralelo ao novo pacote tarifário, o ambiente regulatório americano passou a adotar uma abordagem mais agressiva no enforcement aduaneiro. A principal ferramenta nesse contexto é a False Claims Act (FCA) — legislação originalmente voltada ao combate à fraude contra o governo, mas hoje utilizada com frequência para punir importadores que prestam informações incorretas ou omissas nas declarações alfandegárias.
O ponto de atenção é que não apenas o governo pode acionar a FCA: concorrentes e ex-funcionários também podem ajuizar ações, recebendo parte do valor recuperado. Casos recentes envolveram multas milionárias por erros ou fraudes nas faturas, declarações de origem ou classificação tarifária. Importadores brasileiros com operações nos EUA devem revisar imediatamente seus fluxos de entrada, rotinas de compliance e sistemas de controle documental.
O risco de autuações por "evasão tarifária" cresce proporcionalmente à complexidade do novo sistema. Mesmo empresas que atuam de boa-fé podem ser surpreendidas por interpretações extensivas de negligência ou erro grosseiro.
BRASIL: ENTRE ALÍVIO INICIAL E EFEITOS COLATERAIS
A manutenção do Brasil na faixa de 10% é, por ora, um alívio. O comércio bilateral com os EUA é relativamente equilibrado, o que protege o país de medidas mais severas. Entretanto, alguns setores estratégicos permanecem expostos a tarifas específicas, como aço, alumínio e autopeças, que seguem com tarifas fixas de 25% independentemente da nacionalidade do exportador.
Além disso, a escalada tarifária contra a China — agora no patamar de 145% — provocou reação imediata de Pequim, com retaliações contra empresas americanas e o bloqueio comercial de setores estratégicos, ampliando ainda mais a instabilidade nos mercados globais. Essa guerra tarifária compromete fluxos logísticos, eleva os custos globais e pode gerar impactos indiretos no Brasil, como volatilidade cambial e retração no apetite por risco.
RELAÇÕES BILATERAIS E REALINHAMENTO COMERCIAL
Apesar dos riscos, o momento pode ser propício para uma reconfiguração positiva das relações comerciais do Brasil. O redirecionamento de compras chinesas — como ocorreu com a soja no primeiro mandato de Trump — já sinaliza possível aumento na demanda por sorgo, milho e carnes brasileiras. Além disso, a nova tensão entre EUA e Europa reacende o interesse europeu no acordo com o Mercosul, que pode avançar como contrapeso à imprevisibilidade americana.
Empresas brasileiras com atuação internacional devem mapear possibilidades de substituição competitiva: produtos brasileiros podem ocupar nichos deixados por fornecedores asiáticos e europeus que se tornaram menos atrativos ao mercado norte-americano.
CENÁRIO CAMBIAL E EFEITOS INTERNOS
No curto prazo, a desvalorização do dólar global — impulsionada por reações do mercado às medidas protecionistas — pode gerar alívio inflacionário no Brasil. O câmbio mais baixo tende a baratear importações e reduzir pressões sobre a política monetária. A depender da intensidade do redirecionamento do comércio, a balança comercial brasileira pode se fortalecer, sustentando um real mais valorizado.
Contudo, o cenário permanece altamente volátil. Tensões prolongadas entre EUA e China ou EUA e Europa podem provocar movimentos abruptos de aversão ao risco, elevando a demanda por dólar e desvalorizando moedas emergentes — como o real. A prudência segue como princípio norteador.
OPORTUNIDADES ESTRATÉGICAS: INTEGRAÇÃO E ACORDOS
Entre os desdobramentos mais promissores está a possível aceleração do acordo Mercosul-União Europeia. Diante da crescente imprevisibilidade nas relações EUA-Europa, há sinais de que o bloco europeu pode investir esforços adicionais para firmar o tratado com o Mercosul. Para o Brasil, isso representa não apenas acesso ampliado a mercados sofisticados, mas também diversificação da pauta exportadora e menor dependência de parceiros instáveis.
Empresas brasileiras devem monitorar com atenção as tratativas internacionais e, se possível, estruturar modelos de atuação que permitam maior agilidade no redirecionamento de suas exportações conforme novos fluxos comerciais se consolidem.
CONCLUSÃO
O tarifaço de 2025 inaugura um novo ciclo de confrontação estratégica nos mercados globais. A retórica protecionista dos Estados Unidos, agora reforçada por uma tarifa recorde de 145% contra a China, exige que o empresariado brasileiro adote uma postura ativa e preventiva.
Este não é um tempo para reatividade. É o momento de revisar contratos internacionais, fortalecer compliance aduaneiro, diversificar mercados e antecipar cenários de ruptura. O Brasil poderá, sim, colher frutos táticos desse redesenho global — mas somente aqueles que estiverem tecnicamente preparados e juridicamente bem estruturados conseguirão transformar a incerteza em vantagem competitiva.